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No Hospício

“A palavra não deve ser para a alma senão um sinal misterioso, muito discreto, muito austero, muito augusto, só perceptível à visão dos espíritos. Parece mesmo uma deplorável extravagância da nossa natureza incompleta este capricho de reduzir a medida e a cadência as grandes emoções a que a alma se exalça em certos momentos.” (Rocha Pombo)

sábado, 30 de outubro de 2010

Para não dizer mais nada: o ensino


Há muito tempo que observo, inconscientemente, a figura de um sofá, pintada numa parede pública, toda vez que meu ônibus passa pela subida da Lomba do Sabão. É uma imagem mal feita, disforme, algo que jamais seria posto nem num desenho simples de histórias em quadrinhos. Mas está lá, para ilustrar a venda de móveis. Visto superficialmente, isso parece não ter nada a ver com o filme “Entre os muros da Escola” ou a situação do nosso ensino escolar, no entanto, no mesmo dia em que assisti a esse filme e passei pela parada de ônibus, acabei relacionando as duas coisas.

As linhas são irreais, jamais que um móvel da sala-de-estar seria assim, os traços são postos de qualquer jeito e forçam, a todo custo, a imagem de um sofá. Sinto-me obrigada a pensar que aquilo é um sofá e quando, por um tempo, consigo me desligar da visão, sei muito bem que é um desenho mal-feito, não é um sofá! E assim é o ensino das escolas. Os professores obrigam os alunos a aprender tal conteúdo e por um momento estes estudantes são forçados a pensar que “isso” tem algo a ver com a vida deles, mas quando fecham os olhos, ou saem da sala, percebem que nada do que foi dito fez algum sentido no cotidiano, não é real.

Como aluna, ainda lembro-me que fomos forçados a aprender a análise sintática das frases, mas nunca nos explicaram o sentido daquilo. Jurávamos de pés juntos, com os livros na mão, que o assunto era importante e cumprimentávamos, admirados, os colegas que dominavam (decoravam) todas as regras. Depois, fora do ambiente da escola, longe das provas, dos olhares mórbidos e vazios dos professores, nos sentíamos livres dessa obrigação, de pensar que análise sintática está mesmo nas nossas vidas do modo como ela aparece no quadro, separando “palavrinha” por “palavrinha”. Nunca nos explicaram o porquê disso!

O filme “Entre os muros da escola” encerra com uma das alunas dizendo ao professor que não aprendeu nada, embora tenha sido aprovada no ano letivo. O professor não entendeu o que ela quis dizer; para ele, era impossível que um aluno não tenha aprendido algo, mesmo estando em sala de aula. Porém, para quem se recorda dos tempos de escola ou está na escola, sabe que isso é bem possível e recorrente. Nas aulas de português são usadas frases vazias, cruas, que nada dizem aos alunos. Na matemática nos indagamos “aonde é que vamos usar uma fórmula de báscara, se não for na prova de matemática?” Em ciências ouvimos falar de animais e membros interiores desses animais, sendo que, a maioria deles, jamais vimos ou tocamos realmente. Então, para que temos de saber de tudo isso? É um ensino irreal, de faz-de-conta, que temos de fechar os olhos e imaginar que é concreto.

Acredito que essa é a mensagem do filme e quando sabemos a resposta da pergunta de um aluno, “por que estamos aprendendo isso?”, temos a chave do verdadeiro ensino nas mãos. O professor não ensina apenas regras e conceitos gramaticais, ele ensina a vida, prepara o indivíduo para a sociedade. Armazenamento de dados? Só em pendrive! Os estudantes pensam, até mais do que muitos educadores que estão hoje nas escolas, fingindo que sabem o que estão ensinando. Um dia, estes mesmos educares foram pendrives. Então, por que forçar o sujeito a armazenar, a ser uma máquina, e não a pensar? O filme francês, passado na aula de Didática, "Entre os muros da escola", me remete a essa questão.

Míriam Coelho