“Ser professor é um trabalho tão desvalorizado. Os alunos são muito mal educados. Você tem certeza?” É o que muitos estudantes de licenciatura ouvem das pessoas e até de si mesmos enquanto cursam a faculdade. É normal ficar em dúvida quanto a suas escolhas e essa profissão em especial, relevando o fato de que, a mais dia ou menos dia, as escolas se tornam mais violentas. Cresce o número de incidências as quais o lecionador leva uma cadeirada do aluno, um tiro ou presencia uma chacina de um ex-aluno qualquer, perturbado, atirando para todos os lados. Ser professor é quase como aceitar tomar o lugar do Jackie Chan nas séries filmicas, sem ter tido treinamento algum nem bublê.
Nas cadeiras de Letras, por exemplo, ninguém ensina a desviar de tiros, ligar os sensores de aranha para desviar dos objetos lançados, nem esgrimar nos momentos em que um estudante puxa a faca e convoca para o duelo. Nada disso. São-nos ensinadas as teorias literárias, o uso da gramática, a história dos teóricos linguísticos e literários, a psicologia educacional sucedida do famoso “filme-de-chorar”, incentivando a cidadania e o olhar sobre o próximo. Tudo muito bonito, muito fofo, não descordo de nenhuma parte do nosso currículo, mas falta-nos a noção profunda do que estamos fazendo.
Finalmente deparamo-nos com a sala de aula, a realidade violenta, os gritos e os nossos gritos, que não são ouvidos e graduam o nível cada vez mais, até chegar ao ponto irracional de procurarmos um microfone plugado em algum canto da sala de aula, já que não ouvimos nem os nossos próprios berros. O resultado disso? A desmotivação profissional. E com razão!
Normalmente pensamos em nós, na busca pelo conforto pessoal e prazeroso, não relevamos o que os alunos sentem, já que vistos 4 horas por dia, é o bastante para sugerirmos que são seres desprovidos de sofrimentos e emoções, a única preocupação é com o que brincar e os deveres de casa. Infelizmente não é assim. As crianças e adolescentes são mentes em cognição, perdidas no meio do duelo de gigantes (adultos que invejam-se e lutam entre si pela “vez-na-roda”). Esses gritos e violências por parte dos educandos são manifestações (conscientes ou inconscientes) dos seus conflitos interiores e das suas carências, que não estão sendo ouvidas nem compreendidas. Chega uma fase em que a personalidade e as escolhas são consolidadas e pela falta dessa ajuda e a influência doentil social que o homem moderno passa, nossos novos integrantes sociais estão incompletos e sem motivação de luta.
Eu vejo a profissão de educador como uma ONG semelhante ao Greenpaece, com o objetivo de salvar a raça humana, assim como esse movimento defende a preservação do meio-ambiente e da paz mundial. Os conflitos do homem já estão manifestados nele antes do seu ingresso nas primeiras séries da escola, devido as experiências familiares, as influências por meios televisivos, as novas tendências musicais e o maior apelo pela sexualidade. Será nessas primeiras séries que o aluno aprenderá a direcioná-las numa relação social e controlar essas informações que tornam-se pesadas para ele. Ai está um dos papéis do professor: ajudar a criança/adolescente a se relacionar em grupo, entre grupos e desenvolver subsídios fortes para não morrer no meio da busca por auto-compreensão e consolidação social, o mesmo trajeto que todo o homem percorre durante sua vida.
A diferença de uma criança de 2011 para uma criança de 1950 é que na década de 50 os pais tinham mais atenção sobre as atitudes dos seus filhos, assim como a escola. Não havia essa liberação extrema e aberta de informações para o homem e havia o olhar de proteção e autoridade dos pais. Atualmente o pai nem olha para o filho direito e quando olha não transpassa sentimentos de responsabilidade e afeto, o filho é visto quase como um irmão em que tem de ser cuidado pelo outro mais velho. Autoridade é dita no sentido de zelo, a segurança de saber o que é certo para a criança, enquanto está sobre os seus cuidados. É por isso que a maioria dos avós cuidam melhor dos netos do que os próprios pais. Essa camada de zelo está quase extinta e a criança se vê diante de um mundo adulto, repleto de informações que ainda não tem maturidade necessária para suportar. Resta para o professor o papel de ajudar nesse estágio crucial.
Inúmeras vezes me senti revoltada observando o cenário de crianças das séries iniciais soltas no pátio sem nenhum cuidado ou o olhar afetuoso da professora, que estava, no momento, falando com a colega sobre a noite mal-sucedida da véspera. Isso é assimilado pela criança, por mais que não pareça, elas ouvem. Depois é refletido na forma como ela vai lidar com seus colegas de vivência: a indiferênça, o desapego. Violência gera violência e o desleixo com os alunos é uma violência, mesmo que indireta. Tanto na infância quanto na adolescência o ser humano precisa saber que é amparado, que alguém se responsabiliza e freia suas atitudes errôneas, isso dá tempo para o indivíduo em formação pensar em si próprio e desenvolver a sua personalidade. Ele não conseguirá fazer isso preocupando-se com informações que ainda não é capaz de suportar.
Muitos pais agem dessa forma e até pior, esquecendo-se de seus filhos, expondo-os a violência e ao sexo explícito. Alguns preocupam-se apenas com suas particularidades e esquecem que já não são mais indivíduos, pois integram uma família. Mas não falo, aqui, do papel do pai, falo dos motivos pelos quais é uma vantagem e uma honra ser professor. É o nosso papel com a humanidade auxiliar nesse buraco moral na vida do aluno. O professor não deixa de ser um super herói, a esperança do futuro do nosso planeta, sem exageros. Todos os gestos de carinho e cuidado serão refletidos nesse ser em cognição, assim como todas as atitudes de desleixo e desafeto. Imagine se o Super-man deixa-se de salvar a cidade do meteoro por causa de um conflito com a Louis Lane? E o planeta, quem salva? Uma pergunta semelhante eu faço para os pertencentes dessa ONG não assumida: E o futuro da sociedade humana, quem salva?
Poderíamos muito bem deixar essa luta pela preservação do bem-estar humano para outros dizendo “eu não tenho capacidade para isso, eu não tenho tempo, tenho que me sustentar!”, mas não há muitos “outros”. A cada dia que adiamos o trabalho dessa ONG, agrava-se mais a revolta interna dos nossos novos humanos, a sociedade está carente, necessitada de afeto, cultura e complacência. É muito egoísmo da nossa parte esquecer do mundo e pensar nos prazeres que almejamos. Desejar e ter atitudes ruins (egoísmo) é parte do ser humano, o céu e o inferno são símbolos universais que habitam dentro de nós desde os primórdios. Cabe somente a cada um controlar os impulsos negativos e focalizar-se nos interesses positivos e de valor a todos da sociedade. Por mais que você diga que não faz parte de um grupo, você habita um planeta que depende de mais de uma decisão para que algo aconteça.
“Mas os alunos não se interessam por nada! Não ouvem, não querem aprender. É horrível”. Eu vejo muitos professores recolher materiais, pensar no conteúdo, montar um plano, aplicá-lo em sala de aula e decepcionarem-se com a péssima receptividade dos alunos, “tive que explicar um milhão de vezes e mesmo assim a criatura não entendeu. Chegou uma hora que eu disse: não, já chega, não explico mais e vai fazer tuas tarefas! Cansei.”. Mas já houve uma pesquisa mais aprofundada dos motivos disso por parte dos educadores?
Primeiramente, eu vejo os conteúdos trabalhados em sala de aula muito fora do contexto social do aluno. Claro, já é bem sabido e reforçado nos PCNs que o professor tem que partir disso para montar as aulas. Entretanto falta outra coisa muito importante, que os PCNs falam, mas implicitamente: criança tem que ser criança e o professor deve reforçar essa fase e canalizar as energias para o produtivo. Não adianta preparar uma super-aula, cheia de recursos e discussões referentes a análise sintática para o primeiro ano do ensino médio e esquecer de desenvolver o lúdico do aluno.
Quando falo de lúdico não falo apenas de jogos e redações de temas referentes ao que está “na boca do povo”, como o bulliyng, gravidez na adolescência e eleições anuais, por exemplo. Falo de relacionar análise sintática com o fantástico, maravilhoso, utilizando livros de ficção maravilhosa, quadrinhos, super-heróis, contos de fadas, etc. Mesmo no ensino médio, os alunos ainda são crianças, são crianças em fase de auto-consolidação dentro de uma sociedade, e essas “crianças crescidas” necessitam de fantasia, que por mais que neguem, está muito presente em suas vidas, elas sonham. Se não fosse assim, jamais assistiriam os filmes da série Crepúsculo, Homem Aranha ou Atividade paranormal. O desejo pela fuga do real também faz parte do contexto social humano. Ninguém estará fugindo ou escondendo a verdade de ninguém, a maioria dos alunos já estão saturados com a realidade ali de fora (estrupo, desemprego, morte, drogas, gravidez na adolescência, corrupção e catástrofes mudiais).
Acredito que nós, integrantes da ONG não assumida, como nomiei a licenciatura, temos o papel de orientar os novos integrantes sociais do mundo, direcioná-los para o produtivo e esquecer o egocentrismo. Trazer aos jovens e crianças a visão de mundo, incentivar a nacionalização (ainda me revolta o fato de somente os livros de fantasia norte-americana fazerem sucesso no Brasil, tanto quanto o uso da expressão “americanos” para designar somente um país – EUA! O Brasil saiu do mapa da América?), desmitificar os preconceitos (seja religiosos, seja étnicos) e transformar a visão do educando em algo amplo e menos limitado possível.
Está ai outro grave problema social: a limitação. Somos pessoas de visões limitadas. Se crescemos criados de um jeito, prendemo-nos nele e não aceitamos nada novo (já é um problema para aceitar a retirada de alguns acentos gráficos da nossa escrita!), queremos repetir as mesmas aulas conteúdistas quadro+caderno e as atividades que dão mais trabalho valhem como presente por bom-comportamento. Se desejamos que o nosso planeta continue evoluindo antes que seja destruído por nós mesmos, devemos ouvir complacentemente e pesquisar com vontade para depois ter uma opinião formada de determinado assunto. Essa atitude, com certeza valherá de exemplo para o aluno: evolução do pensamento. Não falo de exemplo somente no sentido de algo adorado, a ser seguido, mas também no sentido de que o aluno dirá: “olha, ele se ele não faz tal coisa, por que eu tenho que fazer?”.
Temos um papel muito importante em nossas mãos e é de suma importância que tenhamos noção disso, invés de entrar em sala de aula com os livros de baixo do braço, planos feitos na base dos nossos gostos próprios e na ideia teimosia de que, já que não “podemos” sonhar, o aluno também não deve e nem precisa disso. Não estou criticando os professores ou dizendo que apenas a nossa ONG está errada, claro que os alunos e, principalmente, os pais têm muitas atitudes a serem revistas. Entretanto, se as árvores caminhassem até os integrantes do Greenpaece toda vez que fossem desenraizadas pelo homem, tudo não seria mais fácil? Temos que ir atrás, pesquisar, fazer projetos e aplicar a solidariedade nas comunidades que somos responsáveis. Nossa profissão é de guerreiros, que, todos os dias, lutam nas árduas batalhas contra extinção da evolução e aprendizado humano.
By Míriam Coelho