Havia uma casa que se localizava no topo de uma grande colina, à beira do mar frio e revolto, protegida por uma floresta, pedras imensas e uma trilha de barro que levava até a praia. Lá morava uma jovem, que vivia com sua família: a mãe, o padrasto e o irmão mais novo. Ela nunca saia, sempre ficava trancada dentro de casa, porque não tinha ânimo para sair do quarto. Sempre sentada à beira da janela do quarto, ela observava o horizonte azul e as águas do mar sombrio, enquanto fugia das discussões familiares dos outros cômodos da casa.
O tempo foi passando e, numa noite dessas, a garota sentiu um forte desejo de sair de casa. Pulou a janela do quarto, sem que ninguém visse, e caminhou em volta do precipício de pedras, mirando as ondas que se quebravam na costa, lá embaixo. Resolveu descer. Esgueirou-se pelos pedregulhos enormes e perigosos e seguiu uma trilha de barro, até pisar, pela primeira vez, na terra da praia. Sentiu uma energia tão grande, a liberdade misturada com mistério e felicidade, uma amalgamação de sentimentos. As imagens estavam escurecidas, somente a luz da lua e as estrelas clareavam a visão da menina, mesmo assim a vista era linda. Sentiu, sob os pés, a areia fofa e úmida pelo orvalho da noite, e a água escura e gelada que banhava e recuava na costa.
Enquanto caminhava pela beira da água gelada, avistou um homem no meio do mar, que vinha em sua direção, caminhando sobre as águas. Era jovem como ela; tinha os cabelos longos, que pareciam a continuação da água e olhos castanhos que brilhavam na noite. Ao se aproximar, ela pode notar a sua face serena. Ele vestia roupas tão escuras quanto o tom da água de onde surgira. Assustada, mas sem se afastar, ela perguntou quem ele era.
– Vim do mar e só isso basta saber, moça. – respondeu ele e os dois passaram a noite inteira conversando. A conversa começou timidamente até que ambos sentissem a vontade um com o outro. Ele falou dos costumes e objetos estranhos que tinham no seu mundo, assim como ela contou das coisas horríveis que tinham no dela. Ao perceber que o amanhecer se aproximava, despediram-se, ele voltou para o mar e a garota subiu a trilha de pedras novamente, de volta a sua casa.
Nas noites seguintes, os dois continuaram a se encontrar na praia. Caminhavam por terra, hora pelas águas do mar. Junto dele ela não tinha mais temor de nada, estava feliz, como no momento em que pisara na praia pela primeira vez. Tudo acontecia às escondidas da família da garota, ela saia à noite e voltava antes do amanhecer. E, numa noite, não suportando mais aquele sentimento para si, a jovem confessou seu amor pelo homem das águas e ele respondeu, “Não posso ficar com você agora. Tenho de resolver algumas coisas e tão cedo não voltarei.” Pronunciando estas palavras de despedida, o rapaz das águas mergulhou e não emergiu mais na promessa de que um dia voltará.
Novamente a vida da garota se tornou vazia. Toda as noites a garota caminhava pelos mesmos lugares onde passaram, na esperança de encontrá-lo novamente. ou reviver as lembranças mesmo; e a cada noite que ele não aparecia, mais seu coração se afligia, perdendo a fé. Até que, numa vez, ele reapareceu antes que ela descesse pela trilha de pedras.
− Você veio me buscar? Ah, sinto tanto a tua falta! – disse ela, nostálgica por revê-lo.
− Não, ainda não cumpri todas as tarefas, apenas vim ver você. – respondeu.
Caminharam juntos, conversando como antigamente e depois ele foi embora novamente. Os novos dias que se sucederam para a jovem foram tristes e difíceis. Ela voltou a estudar na escola do povoado e sofria com as perseguições dos colegas, como sempre.
Um dia, colocaram baratas no lugar onde ela tomava banho. Depois de tantos gritos de pavor, ela conseguiu controlar o pânico e matá-las, uma por uma.
Noutro dia obrigaram-na a trabalhar em dobro na limpeza e tarefas escolares. Os professores a mandaram fazer suas obrigações e as dos colegas, enquanto eles se divertiam no pátio. Tudo porque a detestavam.
Quando ela chegava em casa, tinha de sofrer com as brigas e implicâncias da família. Até que, um dia, para completar seus problemas, a mãe descobriu que ela saia a noite para passear na praia e obrigou-a a contar toda a verdade. Sempre que a garota ficava em casa ouvia sua família rir e dizer: Ele jamais voltará, tão pouco ficará com você.
O jovem das águas reapareceu pela segunda vez e em prantos a garota perguntou:
− Veio me salvar? Ah, estou sofrendo tanto… Estou sozinha e Preciso de você. Você não imagina o que estão fazendo comigo…
− Não. Vim apenas revê-la. Ainda não está na hora, preciso resolver algumas coisas. E você terá de ser forte, a partir de agora, eu não sei quando volto.
Abraçaram-se fortemente, caminharam pela trilha de pedras e pelo mar. Novamente, antes do sol surgir, ele desapareceu sob as águas.
Os dias e noites seguintes continuaram torturantes, e à medida que tudo corria, ela ia perdendo a esperança do retorno do amado. Foram dias e noites de lágrimas até perder todas as esperanças e jamais retornar a praia. Cansara de tanta espera.
Os anos se passaram quando ela conseguiu vencer todos aqueles que lhe faziam mal a sua volta. Tornou-se indiferente a todas as maldades e sempre que alguma lhe atingia, ela se defendia com todas as armas interiores que possuia. No entanto ainda sofria quando sua família ria e lembrava do amor que prometera voltar e jamais veio.
No anoitecer de um dia, porém, no meio da ceia que o povoado estava fazendo em conjunto, o jovem das águas apareceu, procurando pela garota. Quando ela o viu ignorou-o de raiva, não queria mais vê-lo. Tinha em mente que ele não ficaria por muito tempo e logo partiria. Ele a seguiu durante a festa inteira, enquanto todos riam dele e diziam que ela sabe que eles jamais ficarão juntos. Mas ao amanhecer a garota notou que ele ainda estava lá.
− Agora podemos ficar juntos. Já cumpri as tarefas que precisava antes de me livrar dessa maldição. Nunca mais irei embora. − Ele disse.
Em prantos, ela o abraçou dizendo: “Ah, meu amor. Veio na hora certa, pois se você demorasse um pouco mais, me perderia para sempre!” Os dois foram embora, no mesmo instante, deixando a casa, o topo da colina e o povoado que tanto fizera mal a jovem. Construíram uma nova vida em outro lugar e, hoje, se ainda vivem, são muito felizes.
by Míriam Coelho