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No Hospício

“A palavra não deve ser para a alma senão um sinal misterioso, muito discreto, muito austero, muito augusto, só perceptível à visão dos espíritos. Parece mesmo uma deplorável extravagância da nossa natureza incompleta este capricho de reduzir a medida e a cadência as grandes emoções a que a alma se exalça em certos momentos.” (Rocha Pombo)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Carência

001 Podemos não perambular de olhos bem abertos, mas sentimos, quase que intuitivamente, a extrema carência social. Há inúmeros estágios de necessidades que discorro aqui: carência emocional, carência espiritual e carência intelectual.

Quantas vezes chegamos em casa cansados, com raiva das palavras ouvidas no trabalho, com angústias referentes à economia e ainda por cima sentindo-nos incompletos pessoalmente? Falta uma pecinha dentro da nossa bateria. Deparamo-nos, então, com outras pessoas que exigem nossa atenção, falam de seus problemas como se não tivéssemos os nossos, gastam nossos ouvidos com mil ladainhas que parecem ameba perto das nossas moléculas atômicas prontas para explodir. É aí que surge aquela discussão familiar (já rotineira) com várias exaltações e palavras como “para de falar! Não sabe parar de falar?”. Nós estamos carentes, os familiares estão carentes, até nossos amigos estão necessitados. Somo um grupo de aleijados que não se apoiam, todo mundo quer falar sem ter sua vez de ouvir.

É aí que começa o gancho para a carência intelectual, a falta de capacidade que o ser humano tem de refletir fora das linhas que lhe foram trilhadas na escola ou pela família. É difícil inventar, porém mais difícil ainda é refletir em cima dos fatos cotidianos e perceber uma novidade que ainda não foi cogitada. É uma deficiência árdua de ser superada – vejo isso diariamente no meu trabalho como professora de língua portuguesa, meus alunos têm dificuldade de não copiar quando peço para que recriem um novo contexto. Isso, muitas vezes, está conectado com a carência espiritual. É difícil você alimentar um texto, um contexto, uma obra, sem que sua essência esteja sendo cuidada.

Tem que trabalhar. Tem que estudar. Tem que casar. Tem que comprar. No entanto a onde fica o verdadeiro eu? Do que você gosta? Qual atividade te completa? Qual imagem te alenta? Há algum momento em que você abre espaço para efetivar a resposta de algumas dessas perguntas? Somos criados como robôs automatizados, mas não somos máquinas! Isso me revolta a tal ponto que almejo fugir, sinto como se pudesse dar alguns passos e sair voando para fora dessa realidade surreal.

A carência nos leva às mais críticas situações, às mais animalescas atitudes (inveja, cobiça irracional, grosserias desnecessárias), aos mais angustiantes momentos de vazio nos raros horários que nos são vagos. Tem de haver um ponto de equilíbrio em tudo isso, temos que acordar desse teatro do qual encenamos como fantoches. As cordas não existem se você enxergar que elas são imaginárias.